O reencontro
Com medo de que sua impetuosidade ígnea fosse mais forte que seu raciocínio lógico, ela preferiu continuar a conversa com Heitor de uma distância relativamente segura. Enquanto ele continuava no sofá, ela sentou-se na janela que ficava de fronte ao canteiro de rosas e lírios, que exalavam um perfume enfeitiçador. Pouco tempo depois, quando as taças estavam quase vazias, Nicole o chamou para conhecer os compartimentos da casa e a tensão diminuiu um bocado.
Após a visitação Nicole foi novamente encher as taças, e surpresa tal foi para ela, quando ao retornar avistou Heitor lendo o texto que ela escrevia antes da sua chegada, antes da campainha tocar e modificar todos os seus planos para a noite em questão. Estupefata Nicole ficou ali, observando-o com as duas taças nas mãos. Então nesse momento, analisando a silhueta de perfil de Heitor ela percebeu que duas coisas certamente não haviam mudado nele: seus enormes olhos cor de mel e seus lábios apetitosamente avermelhados.
Apercebendo-se da presença de Nicole – um tanto tardiamente pelo efeito do álcool que parecia estar se externando – voltou seus olhos aos dela pedindo desculpas pela curiosidade tamanha. Explicou que se interessara pelos livros que estavam na mesinha e foi até lá para vê-los, quando fora traído por seus olhos que ao visualizarem a tela do computador não mais puderam dela afastarem-se, tamanha fascinação haviam sentido pelas palavras que liam.
Nicole teve certa dúvida em como proceder perante a leitura e elogio de Heitor, o texto que escrevia possuía um teor altamente erótico e sua personagem principal, acreditem ou não, era justamente Heitor. Ela não soube se ele descobrira, se havia percebido alguma semelhança entre ambos. Ela nada perguntou, ele nada afirmou. Ao menos não até então.
- Tudo bem. Não era exatamente um segredo. Eu o colocarei em meu blog quando estiver completo.
- E eu farei questão de lê-lo.
- Claro...
Continuaram a conversar, havia se passado vários meses desde a última conversa que haviam tido, via msn. Lembraram-se de muitas situações da época de adolescentes, sempre com o cuidado de não tocar nos momentos mais frágeis, nas lembranças mais profundas, mais doloridas e mais íntimas. Embora a conversa supérflua que estavam tendo, em seu íntimo Nicole desejava aproximar-se, ao menos um pouco mais, de Heitor. Quando as taças novamente quase secaram Heitor disse que dessa vez as encheria. Nesse momento Nicole levantou-se e foi até perto dele afirmando que não era necessário, no mesmo momento Heitor se levantou do sofá, logo ele e Nicole tocaram seus corpos de forma que as taças chocaram-se e um jorro do resto do vinho sujou sua camisa.
- Tira a camisa Heitor, rápido, vou lavar logo antes que a mancha finque.
Enquanto Heitor desabotoava os botões da camisa, Nicole retirava seu suspensório e quando a camisa não mais cobria seu corpo, ela pode perceber que mais duas coisas continuavam a mesma: seu peito pálido e sem pêlos, e a sua mania de deixar a borda da cueca acima do cós da calça, o que atraia maliciosamente seu olhar. Era impossível que Heitor não houvesse percebido o desejo nos olhos de Nicole. Ele entregou-lhe a camisa enquanto ela lhe entregava as taças. De tão perto ela pode sentir o medo e desejo que os olhos dele também tentavam aprisionar e esconder.
Rapidamente Nicole correu para a pia para lavar a mancha, e enquanto lá estava Heitor encheu as taças. Depois de alguns minutos de silêncio não pode mais conter o clima que o estava embriagando.
- Nicole, é impressão minha ou realmente há semelhanças entre a personagem do seu texto e eu ?
- Acho que não é um bom momento para tocarmos nesse assunto, Heitor – Nicole respondeu séria e nervosamente.
Nicole acabou de tirar a mancha, pegou a sua taça que estava na mesa e seguiu para a sala, instalando-se no mesmo lugar de antes: a janela.
A resposta de Nicole foi mais afirmativa que qualquer “sim” que ela pudesse proferir. Segundos depois de ter pensado em como tocaria no assunto, ou se talvez não o devesse, Heitor voltou para a sala e seus olhos e os de Nicole novamente encontraram-se. Não haviam mas pensamentos íntimos e individualizados, estava claro o que Nicole sentia, para Heitor, porém, o contrário ainda era duvidoso.
- Você não imagina o quanto fiquei feliz quando ouvi sua voz do outro lado da porta. E também não faz ideia do esforço que é resistir a tocar em você. Todas as vezes que nos encontramos, mesmo sendo tão escassas, eu desejava coisas que sabia não aconteceriam, tínhamos namorados, pessoas inocentes que nada tinham a ver com o que eu sentia e o quanto aspirava a você. Mas se eu podia controlar racionalmente meus atos, o mesmo não conseguia de minhas vontades, imaginações. Quando nos separamos parte de mim certamente foi com você, e houveram noites e dias extremamente difíceis sem sua voz, sua presença, sua companhia. E apesar de todo esse tempo, todas as vezes que eu te vejo, sinto tudo novamente. O desejo, o companheirismo... o amor, como se as sensações apenas deixassem de existir com sua ausência e de novo apresentassem-se na sua presença. E em todos esses momentos eu tenho que fingir que você não é pra mim, aquilo que nunca deixou de ser, e é angustiante, porque ao mesmo tempo que sua presença me enche de prazer, eu não posso extravasá-lo. Sei que são vontades minhas e que não há motivo para falarmos sobre o assunto, não estou querendo nada de você, embora é claro, eu deseje. Só preciso ser forte e continuar me segurando, como na vez que nos vimos e nos abraçamos naquela pracinha. Você sabe o quanto eu posso ser impulsiva e me conter naquele dia foi terrivelmente doloroso, controlar a ânsia dos teus lábios, que estavam tão próximos de mim, como a anos não estavam, e logo no lugar que foi tão importante para nós. Mas eu consegui ser forte, nós conseguimos, e não passou de um abraço.
- Durante todo o tempo que Nicole conversou com Heitor, ou no caso monologou, os olhos dele estavam fixos na sua taça de vinho, no qual ele quase não tocou. Nenhuma palavra havia sido proferida, ele ouvia silenciosamente o desabafo intimo de Nicole. Ela se perguntava se havia ultrapassado os limites que haviam entre eles, se ele se aborreceria e simplesmente iria embora sem dar uma palavra. Felizmente isso não ocorreu e ela logo pode saber do que consigo mesmo ele triturava.
- Eu sempre penso em você Nicole. Você foi muito especial pra mim, pelo que eu sentia por você, por tudo que dividiu comigo. Todas as vezes que eu te vi também desejei um contato maior, por isso disse que era melhor não nos vermos mais, ainda que tão raramente e sem contato algum mais íntimo. Tinha medo de que algum dia ultrapassasse os limites que deviam existir, por motivos vários que você sabe bem quais. Sempre há situações que me recordam você, nós, apesar de sermos diferentes agora e de termos vidas diferentes. Eu tenho sonhos com você às vezes e passo todo o dia sentindo uma certa vontade de te ver, de conversar. Sabe de uma coisa que lembrei de repente um dia desses? Da primeira e única vez que dançamos. Lembra? Eu nunca fui um exímio dançarino mas acho que devo estar um pouco melhor.
Continua...
Flor de Lótus
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