quinta-feira, 18 de novembro de 2010


Porque só "o" momento é real...


Parte 1

Como poderia iniciar esta história? Bem, vamos ao começo, pelo começo. Espero que seja o suficiente para me fazer entendida. Assim como faço votos de que as lembranças sejam-me alvas, objetivas, e não causem-lhe asco, visto desejar sua leitura até o final. Final este, um tanto longínquo.


"Buscava aventura, sentia minha vida estagnada, meus dias repetitivos, minhas emoções monótonas, desconstruídas e insignificantes. Não podia conceber a existência dessa forma tão ignóbil, insalubre, incompleta, ainda que por momentos meros e contados precisava ser mais que eu, ser mais alguém, no sentido mais puro de adição. Podia ser mais 'alguéns', eu não era tão exigente assim, não buscava um amor mas uma aventura, algo que provasse que estava viva, que me causasse ânsia, tremores, desejo, paixão, volúpia.

Sou mais que uma mulher qualquer, meu instinto feminino é quase que animalesco, bravo, perverso, carnal e apenas envolto nessa necessidade de sentir, tocar, provar, degustar. Mas, houve uma época em que havia em mim apenas uma donzela, em busca de sentimentos puros, animismo.

É verdade que em uma mulher nunca extingui-se completamente o desejo incontrolável de encontrar sua Outra Parte, mas, isso me era quase que esquecível. Estava livre, nunca havia estado tão liberta, minhas ações não tinham limites, mas tinham alvos, a caça estava apenas começando, e acredite, se os machos soubessem do meu cio, com certeza buscariam por mim, antes mesmo de eu miar.

Primeiramente a roupa, era necessário estar à altura de toda minha gana, exteriorizar essa alma conturbada, nada como um vestido colado, com os contornos do meu corpo sendo detalhadamente expressos. Uma bota, salto alto, corpo ereto, demonstrando superioridade: homens adoram mulheres fatais, superiores, individualistas, que demonstram o comando. Mas claro, apenas depois de saber – ou achar – que ele foi quem a atraiu, onde sabemos que, um homem sempre é o atraído.

Independente de qual seja a situação é a fêmea quem sempre o escolhe, ainda que não fique claro o suficiente, afinal, foi o cheiro dela, o feromônio de seu físico que o atraiu a distância. A noite estava apenas para começar, Bonne Journée por moi.

A dança sempre me atraiu, a forma com que poderia haver o entrosamento de forma tão perfeita, os corpos em movimento, fundindo-se entre os hormônios, suores, fluídos. Encontrei a isca, foi apenas jogar o anzol: um olhar, uma leve despistada com uma desaparecida, outra repentina apresentação, outro olhar, um riso, um gesto intuitivo.

Ele tinha os olhos de ônix, daquele negro escuro, quase que inexistente. Seus lábios eram de tamanhos médios, tinha um riso dócil, parecia ser suave, ter uma alma sensível. Seus cabelos eram escuros, um pouco encaracolados, mas em comprimento que me permitiriam emaranhá-los por entre meus dedos. Sua pele morena, quase negra, altura perfeita: o suficiente para que minha boca alcançasse a sua.

Eu estava sozinha, ao menos até então; ele, estava com amigos, talvez alguém mais que isso, mas, parecia 'estar sozinho', ao menos no sentido que me interessava. Apesar de que, um ménage a trois não seria tão má ideia.

Persegui-o durante a noite, observando seus gestos, sua maneira de mexer-se, de relacionar-se com seus amigos, fazendo com que ele percebesse o quanto havia me despertado. Umas três ou quatro caipiroscas... e estava no ponto. Resolvi me enfiar no salão de dança, mostrar meu potencial, aproximar-me daquele corpo masculino que dançava ao som de um psy. Apesar do álcool ingerido, minha boca estava seca, precisava de saliva.

A música nos embalava separadamente, meus amigos já haviam chegado, havia um que se interessava em mim, mas não, ele era apenas um bom amigo, e eu nunca misturo trabalho com sentimento. Estávamos enfim tão próximos, e nossos corpos finalmente tocaram-se, nossas costas estavam em fricção, deixando minha pele ainda mais quente que antes, eu fechava os olhos e imaginava suas mãos ao redor de mim, subindo pela minha cintura e tocando meus seios. Não usava soutien, eles estavam livres e rijos, prontos para o toque daquelas mãos másculas.

Não houve um contato mais íntimo durante toda aquela noite, tornamo-nos amigos, dançamos o resto da noite, saímos com os amigos dele: o show terminou, mas a noite continuava. Conheci as pessoas, eram libertárias, libertinas, descobri que ele era poligâmico, bissexual, e aquilo parecia perfeito - naquele momento ao menos.
Na casa do seu amigo, pudemos nos conhecer melhor, mas não era o que eu buscava, eu queria literalmente ser um animal, de preferência matar o macho depois da cópula. Porém, ele tinha uma doçura, que não me permitira ser tão vulgar como desejava. Se eu o desejasse, ele muito provavelmente não teria aparecido.

Passamos a nos ver durante os finais de semana: shows, festas, teatro, boates. Virávamos a noite com seus – que tornaram-se então também meus – amigos, e íamos para sua casa na madrugada. Nossa primeira troca de saliva fora duas semanas depois do primeiro encontro visual. Estávamos na sua casa, ele havia me convidado para conhecer sua casa, sua mãe, sua irmã, disse-me que queria ver as estrelas enquanto tomava um vinho e que me mostraria suas poesias. Como uma mulher pode negar um pedido desse a um homem como aquele?

Chegando em sua casa, ele levou-me ao seu quarto, pediu para que eu fechasse os olhos enquanto cobria-os com suas mãos, e apenas depois de ter entrado ele permitiu que eu os abrisse, então vi as estrelas no teto.

Não havia som algum, apenas o do meu riso. Pude de alguma forma avistar sua face, e o brilho dos seus negros olhos arredondados, observando-me com decepção quando falei que já imaginava que as estrelas as quais ele havia comentado, estavam no teto do seu quarto. Ele deu aquele riso de menino amarelo extremamente sensual e eu não pude não me excitar.

Ficamos paralisados olhando um para o outro, após os risos terem cessado cada um esperando do outro a ação, a atitude, que parecia não vir. Eu estava viva, sentia meu sangue circulando por todo meu corpo, estava ansiosa, nervosa, desejosa daquele homem. Estava em uma situação feérica, erótica. Começamos então a dançar sem música, nossos braços estavam entrelaçados, nossos rostos aproximavam-se cada vez mais, pouco a pouco, sentíamos nossas respirações encontrando-se, nossa pele uma na outra, a proximidade cada vez menor, maior... até o contato de nossos lábios.

Fazíamos finalmente parte um do outro, enfim éramos mais que olhos se cruzando, éramos fluídos sendo trocados, e o primeiro beijo tornou-se em vários outros, cada vez mais íntimos, violentos, completos. Sua saliva, seus lábios, seus dentes, suas mordidas, estava tão excitada que não permitia ultrapassar esse limite, com receio da perda desta sensação. Se aquilo não significasse vida, nada mais o seria, nada mais me poria à certeza da existência na terra.

Nessa mesma noite fomos à um show de música regional, dançamos muito, ele se destacava, algumas garotas também o desejavam, outras até tinham ciúmes, inveja, pois eu estava acompanhada dele, mas ele era meu, ao menos naquele dia, nos últimos dias.

Mas eu também era desejada, um amigo nosso tentou me beijar, eu poderia deixar, mas estava por demais completa e inteiramente ligada às sensações que ele me permitia. Ao término do show, das danças, dos toques entre nossos corpos, dos beijos banhados ao gosto do vinho barato e dos cigarros, fomos mais uma vez à sua casa, mas dessa vez, as coisas seriam diferentes.

Estávamos banhados pelo desejo, Baco se encarregou de tornar-nos animalescos e nosso desejo de unir nossos sexos nos sobrepujou a alma, éramos apenas corpo agora. Primeiro nos atracamos em seu quarto, mas um amigo também dormiria lá, então tivemos que ser mais cuidadosos. Ainda enquanto estávamos no quarto, não pudemos limitar nossa tara, nos beijávamos, seus dedos percorriam meu corpo, massageavam meus seios, desciam para minha yone, enquanto minha mão excitava seu lingan. Nossos gemidos eram abafados pelo lençol, tivemos que sair do quarto para não acordarmos sua irmã e seu amigo.

Na sala o sofá parecia pequeno, sua mãe se acordou então seguimos para a área, e o desejo parecia crescer. Tiramos parte de nossas roupas, pudemos avistar mais do que nos havia sido dado direito até então. Fomos ao primeiro andar, havia um quarto vazio, cheio de trecos, coisas sem importância, apenas uma cama de casal semi-nova, poeira, móveis antigos e desgastados pelo tempo. Havia um som antigo, ele o ligou e pôs música clássica, jamais poderia imaginar o quanto seria excitante, erótico, exótico.

Nossas roupas foram sendo retiradas com volúpia, violência, rapidez, necessidade. Estávamos então na cama, nosso ninho, encontraria o que saí naquela, não tão longínqua, noite à procura. Eu o senti em mim, seu corpo dançava conforme nossos movimentos, ouvia sua voz, seus gemidos, dor, prazer, o coito. Sua docilidade parecia ter se esvaído, era um macho, animalesco e bruto, seguindo sua fêmea no cio, a busca de algo que preenchesse seu vazio.

As sensações são inomináveis, nossos corpos unos, nossas almas pareciam agora estarem amarradas. A espera, a paquera, o amadurecimento até o momento, fez parecer que já nos conhecíamos, já estávamos de alguma forma interligados, essa foi a conclusão, o fechamento, o grand finale.

Após termos experimentado o prazer carnal, íamos agora provar o da alma. Ele mostrou-me seus poemas. Havia vários, lindos, dóceis, profundos, passamos a madrugada lendo-os. Depois, fomos jogar paciência: acredite se quiser. Outras noites semelhantes houveram, depois das nossas saídas noturnas. Vivíamos o momento como último: bebendo, fumando, dançando, amando no momento, nos apaixonando à cada novo convívio, nova diversão, novo contato, novo sexo."

Depois de conseguir enfim o que me satisfez, seu corpo já não me era suficiente, ao menos não apenas ele, passei a precisar de novos corpos, novos cheiros, novas aventuras, uma vida diferente da diferente que tinha então. Acreditava que o interessante de conhecer várias pessoas seria o fato de participar de novas vidas, de forma a adquirir novos conhecimentos, novos hábitos. Sentia necessidade de algo mais diurno, as noites me pareciam por demais sonolentas, não estava mais conseguindo me excitar apenas à luz da lua e o frio da madrugada banhada à vinho. Precisava de outro corpo, outra isca, outro alimento.


Flor de Lótus
Julho 2010

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