A Estranha
Era uma madrugada qualquer. Dessas que você não daria nada. Estávamos ambos cansados. Eu sei que ela também estava porque foi a única palavra proferida por seus lábios.
Eu gostaria de ter o poder observador das mulheres. Certamente eu devo ter deixado de perceber algum detalhe naquela enigmática estranha, que possivelmente me desse pistas de quem ela é, de onde encontrá-la, ou ao menos, onde buscá-la.
Lembro-me do formato de seu rosto. Do enquandramento do seu maxilar. Do esboço de seus lábios. Do comprimento de seus dedos: ela gesticulava sempre que falava algo: ela falava monossilabicamente. Seria pelo cansaço? Seria pelo importunismo?
Eu poderia fazer um retrato falado da estranha, e colocaria a seguinte frase no cartaz: ___. Ainda não sei qual seria a frase que poderia expressar minha necessidade. Os porquês. Mas eu poderia pôr: “Procura-se A garota do all star branco, cabelos na altura da orelha, lábios finos e monossilábica”. Talvez alguém se reconhecesse. Talvez algumas se reconhecessem.
Nunca a vi antes nas redondezas. Talvez eu não tenha rodado o suficiente. Talvez só agora ela dê suas voltas por aqui. Talvez tenha sido o (des) reconhecimento dela que me tenha atraído. Talvez tenha sido apenas sua triste feição. “Cansada” - como disse ela, dando um sorriso amarelo e inconveniente, quando perguntei sorrateira e curiosamente: “Você está bem?”
Não é como se não houvessem outras pessoas no recinto, mas é como se todas elas estivessem apagadas, em modo off. É como se ao apertar o on, nada que pudessem falar fosse do meu interesse. Assim como em alguns programas de rádio e TV. Ela era O programa, A emissora e O horário.
Uma noite infernal de inverno. Eu suava por dentro da camisa. Ela, usava um casaco com capuz. Talvez por isso, aliado a minha incapacidade de ser minimalista, pouco tenha sobrado dela. Talvez o meu suor fosse derivado do nervosismo, das incessantes contrações de meu cérebro rastreando como um antivírus todo o meu HD. Precisava ter algo para conversar com ela.
Depois da última frase que ela disse, que foi também a primeira, não sabia se era apenas uma resposta, ou se era algo mais próximo de uma cortada. Com o intuito de descobrir, tentei travar um diálogo. Neste instante, seu ônibus chegou, ela simplesmente se foi. Mas ainda lembro do assunto que começaria. Preciso encontrá-la para terminá-lo.
Flor de Lótus
22/03/12
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